1 de março de 2014

Casamentos do Entrudo

Há uns quatro anos, falei aqui por alto dos casamentos satíricos alinhavados nas "Quintas-Feiras das Comadres e dos Compadres", tradição peculiar da nossa cultura que, entretanto, não sobreviveu no tempo e no espaço devido à falta de mocidade.
Primeiro, era o dia das comadres que era a quinta-feira antes do Domingo Magro. Depois, vinha o dia dos compadres, que era a Quinta-Feira antes do Domingo Gordo. Os casamentos realizavam-se ao Sábado (Sábado Magro e Sábado Gordo) por rapazes que assumiam o papel de sacerdotes e de acólitos.
Estes casamentos satíricos serviam mais como pretexto para se poder dar livre curso à crítica, do que como uma forma de aproximar os "proclamados noivos". 
E sabem como os  casamentos eram feitos?
Os rapazes juntavam-se no Forno Grande, aproveitando com certeza o quentinho que ali se sentia nas noites de Inverno, para fazer os papelinhos (tipo sorteio) com o nome dos rapazes e raparigas, que depois metiam numa boina para então procederem ao sorteio e realizado o mesmo afixavam um papel (tipo edital) na desaparecida árvore da Lameira, pois ali se dirigiam todos os habitantes que sabiam ler e procuravam "os avisos". De manhã, bem cedo, todos os que por ali passavam tinham conhecimento de quem casava com quem, embora o edital desaparecesse rapidamente.
E, no Dia das Comadres, havia o hábito em Forninhos de oferecer fritas, também conhecidas por rabanadas, especialmente às comadres.
No Sábado (magro e gordo) os rapazes, à noite, faziam então os casamentos, munidos com um funil, para distorcer a voz, e um em cada ponto mais elevado da aldeia para serem claramente ouvidos e, ao mesmo tempo, encobertos pela escuridão da noite para não serem identificados, procediam ao ritual que, resumidamente, descrevo:

- Ó camarada!
- Olá companheiro!
- Há aqui uma rapariga boa para se casar...
- Quem é que lhe havemos de dar?
- Damos-lhe fulano...
- E que prenda lhe havemos dar?
- Damos-lhe uma toalha de estopa!

Ah! Havia sempre no sorteio um burro para uma rapariga, assim como uma burra para um rapaz!
A esse propósito, um desses rapazes, o Tónio Lopes, contou há 4 anos a história que hoje lhe trago. Um episódio que ocorreu nos fins dos anos 70:

«É verdade Paula nesta quadra carnavalesca fiz muitas vezes os casamentos; é uma das brincadeiras de que me fazem muitas saudades da minha juventude, ainda quase todos os anos vou ao meu terraço com o funil matar saudades.
Mas voltando ao passado, nos fins dos anos 70, eu e o meu irmão Zé Carlos e vários colegas (mais de 10) fomos casar as raparigas. Como tu referiste e muito bem, fazíamos o sorteio com os papelinhos. O burro tinha de calhar a uma rapariga, assim como a burra a algum rapaz, mas tive a infeliz sorte de ser eu a fazer o casamento duma rapariga com o burro; o pai dela não gostou e veio à rua com umas correias na mão para nos assapar. O pessoal toca todo a fugir e só fiquei eu e o meu irmão.
No dia seguinte tínhamos a G.N.R. à porta para irmos ao Posto de Aguiar da Beira prestar declarações (isto só eu e o meu irmão). No Posto, os Guardas disseram que não éramos nenhuns padres para andarmos a fazer casamentos e queriam que pagássemos setecentos e coroa (700 Escudos + 50 Centavos). Mas como nessa altura não era fácil vergar-nos, dissemos aos Guardas que não tínhamos dinheiro, que não pagávamos e viemos embora.
Passados dois meses fomos a Tribunal pagar, cada um,  3.500 Escudos (cinco vezes mais que a multa). Andou o nosso pai a trabalhar meio mês para nos dar o dinheiro, por causa de um Sr. que não se lembrou que na sua juventude também casou muitas vezes as raparigas, tal como nós.
Não foi por causa disto que a tradição acabou, continuou-se sempre com os casamentos pelo Carnaval, pelo menos, até ao princípio dos anos 90.».

Funil



Artigo Completo: Casamentos do Entrudo
Fonte: O Blog dos Forninhenses
5 O CHIBITO: Casamentos do Entrudo Há uns quatro anos, falei aqui por alto dos casamentos satíricos alinhavados nas "Quintas-Feiras das Comadres e dos Compadres" , ...

00:39 | 1 de março de 2014


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