Zé Bragança- O admirável contador de estórias- parte II
O “meu” compadre tinha um problema de dicção e quando falava trocava o r intervocálico ou mesmo sendo dobrado pelo d, e quando o ré precedido ou seguido de uma consoante pura e simplesmente era omitido; com o s/ç a pronúncia assemelhava-se ao anglo-saxão th. Esta particularidade aliada a uma capacidade de descrição e de interação das diferentes personagens da mesma estória ou até de estórias diferentes davam-lhe uma graciosidade nas suas narrativas que, reconhecidamente, faziam dele um admirável contador de estórias.
Para mais fácil compreensão de algumas palavras e expressões que utilizava, aconselha-se a leitura da legenda em rodapé.
Alguns exemplos mais conhecidos:
Ex.1 - “O cavalho1 da badoca2deita quato3 futos4 pude5 ano: bugalha(th)s6, bugalhinho(th)s7, bolota(th)s8 e maç(th)ã(th)s9cuca(th)s10”.
Ex.2 Numa situação em que a burra teimava em não sair da loja, gritava ele:
- Buda11 pá12 foda! 13Buda pá foda!
Ex.3 Noutra ocasião a pobre da burra caiu numa vala num terreno designado de barroca e então ele solicitava à esposa que gritasse por socorro:
- Guita14, Istminda15, guita! A budanca16 caiu na dibanceida17 da badoca18!
A esposa não o compreendeu e perguntou-lhe se era a tamanca. Ele retorquiu já irritado:
- Não cadalho19, foi a budanca que caiu na dibanceida da badoca! Guita! Guita!
Ex.4 Num jantar de casamento em que os comensais não ficaram saciados alguém, ironicamente, fez uma rima (rima que se generalizou-se para todas as situações em que a refeição fosse demasiado frugal). Eis o diálogo entre dois convivas:
- Estou que nem poss(th)o20 - afirmava um. E o outro retorquia:
- Dêmo(th)s21 gaças22 e louvode(th)s23…
As no(th)as24 badigas25 e(th)stão26que nem un(th)s27 tambode(th)s.28
Se mai(th)s29não comemo(th)s30 …
Foi poque31 mai(th)s não no(th)s32dedam33 noss(th)os34 amo(th)s35
O(th)xalá36 um dia ele(th)s37fiquem como nó(th)s38 agoda 39 es(th)tamo(th)s 40
Os pátios da casa dos “compadres” e da casa dos meus avós confundiam-se porque não havia nenhum muro a separá-los e, coisa rara na aldeia, no que concerne à habitação dos meus familiares não havia qualquer muro a separá-lo da rua principal que atravessa a povoação. Esta circunstância retirava a privacidade aos proprietários e, naturalmente, convidava o acesso direto a todos aqueles que quisessem juntar-se numa agradável cavaqueira, especialmente nas noites estivais.
Manuel Silva Gonçalves Continua...
1-carvalho; 2-barroca; 3-quatro; 4-frutos; 5- por; 6-bugalhas; 7-bugalhinhos; 8-bolotas; 9-maçãs; 10-cucas; 11-burra; 12-para; 13-fora; 14-grita; 15-Estamarinda; 16- burranca; 17-ribanceira; 18-barroca; 19-caralho; 20-posso; 21-dêmos; 22- graças; 23-louvores; 24-nossas; 25-barrigas; 26-estão; 27-uns; 28-tambores; 29-mais; 30-comemos; 31-porque; 32-nos; 33-deram; 34-nossos; 35-amos; 36-oxalá; 37-eles ; 38-nós; 39-agora; 40-estamos
Artigo Completo: Figuras da Terra- por Manuel Silva
Fonte: ASSOCIAÇÃO CULTURAL RECREATIVA VILA MENDO-vila fernando-guarda
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