SALVE, MARIA DA GRAÇA!
No tempo que vieste à luz
Nascia o sol de Espanha, como agora
Punha-se no ocaso de sempre
Para os lados do Carvalhal.
A Ribeira enfiava pela ponte
E cantava aos saltos pelas penedias da Fraga.
E, ano após ano, com o sol a nascer
Com a ribeira a cantar
Crescia a mocinha com graça
Entre a serventia ao latoeiro, seu pai
A quem chegava a tesoura, o estanho e a liaça
E o cuidar da mula, animal de estimação
Que carregava toda a tralha
E por mor da guerra
Tinha livro de registo e identificação.
E ouvia o latoeiro cantar o hino guerrilheiro
Enquanto martelava no rebordo do caldeiro:
«Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os Cabrais
Que são falsos à nação
É avante portugueses
É avante não temer
Pela santa liberdade
Triunfar ou perecer»
De mocinha a moçoila
A dar nas vistas pela praça
Começaram os rapazes a comentar:
- Que bela que está a Graça!
E de todos o João
Foi o que teve mais sorte
Zamburreando o acordeão
Conquistou-lhe o coração
E tomou-a como consorte.
Contra a geral opinião
Dos pais de cada um
Decidiram fazer a união
Levar uma vida comum.
E no princípio era o amor
E mais uma casa, um lar
Uma lareira e uma vida para viver
E dois corpos para sustentar.
E a terra e o trabalho
Um chão, uma horta e umas leiras
E mais uma cabra e outra
E também um gato e um cão
Depois um filho, o primeiro
E mais terra, mais cabras e umas ovelhas
E multiplicam-se as cabras e as ovelhas
E mais um filho
Mais umas vacas e um marrano
E o João virava lavrador de carro, arado e charrua
De aguilhada na mão e assobio dominador
E a Graça passa a mulher de lavrador:
A Graça do ti João Marques!
E no passar dos anos, no suceder das estações
Se enchia a arca de pão e o tonel de vinho
E com igual regularidade se enchia
A casa de filhos e de filhas
A Graça, mulher de lavrador,
Cria vidas e sustenta vidas:
Peneira, amassa e finta o pão
Maça, espadela, fia e tece o linho
Lava, cora e passa a roupa
Acende o lume, enche a panela
Cobre a mesa com toalha de linho
Onde como em altar sagrado
Se come o pão e bebe o vinho
Passa o tempo e com o seu passar
Os garotos viram gente
E como pássaros saem do ninho
Um agora para ali,
Outro depois para acolá
E mais um, e mais outro, e outro, e outro
E ficam sós o João e a Graça
À espera que o tempo os vá trazendo.
Corria serena e mansa a vida
Quando a morte bateu à porta:
- João, são horas! É a tua vez!
- Impossível! disseste tu e pensámos nós.
Dor imensa, difícil aceitação
Mas … faça-se a tua vontade
E o João despediu-se
Fica a Graça mais orfã que os filhos.
Porque no tempo tudo acontece,
Nele se tece a alegria e a dor
Se gera e se perece
E voltando a passar o tempo
A Graça de nova graça se veste
Ano após ano envelhece
E se as coisas correrem bem
Celebramos hoje os noventa e cinco
E havemos de celebrar os cem!
Artigo Completo: Faria 100 anos
Fonte: vilarmaior1
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