17 de maio de 2014

Gente da Guarda...

 

     O antigo Ministro Veiga Simão, e ex-Embaixador nas Nações Unidas, faleceu em Lisboa no passado dia 3 de Maio.

     Natural da Guarda, José Veiga Simão foi uma personalidade cuja craveira académica e científica mereceu inquestionável reconhecimento, dentro e fora de Portugal. No plano da sua carreira política registam-se vários cargos de relevo, entre os quais o de Ministro da Educação Nacional (assumindo-se como “intérprete duma Reforma onde os professores foram os meus principais aliados”), Embaixador de Portugal nas Nações Unidas e Ministro da Indústria e Energia. Se a política (“cultivada com princípios”) o não desiludiu, o mesmo já não dizia de “alguns políticos”, sobretudo daqueles que “não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos”.

     Em entrevista que nos concedeu, e publicada na Revista Praça Velha (Outubro de 2005), Veiga Simão defendia que “o mérito tem de comandar o progresso...os partidos têm de ser escolas de cidadania e competência e não meras agências de emprego”.

    Nascido na Guarda (no Bonfim) em Fevereiro de 1929, Veiga Simão afirmava que esta cidade “tem direito a sonhar mais alto”. As suas recordações, da cidade, centravam-se na Rua de S. Vicente, onde viveu até aos dez anos, “na Igreja de São Vicente, nos Arcos do Espírito Santo, no Torreão e nos caminhos para a Fonte da Dorna... e, mais fortemente, na Escola Primária velhinha junto ao Tribunal.” Percursos que, como nos disse, a sua “memória sublimou, conferindo-lhe uma dimensão física que não resistiu à realidade, mas que representa o sonho de criança”.

     Nessa entrevista, quando questionado sobre a importância da criação da Escola Normal Superior da Guarda (que acabou por ficar pelas páginas do Diário do Governo), referia-nos que ela “não foi apenas criada por Decreto-Lei em 1973. A comissão instaladora, constituída por personalidades de rara qualidade, tomou posse em Janeiro de 1974, tendo sido aprovadas as principais orientações estratégicas. A importância da Escola Normal Superior era evidente, como centro de Educação e de Cultura, com o objetivo primeiro de qualificar professores e de formar técnicos superiores, para áreas decisivas da revolução tecnológica, já em curso, como a informática e as tecnologias de informação, essenciais às empresas e às instituições públicas e privadas”.

     Como nos afirmou, a extinção daquela Escola “foi determinada por um conservadorismo esquerdista e quási-anárquico, que prejudicou o progresso da cidade... Perderam-se os doutorandos enviados para a Europa e os EUA, perderam-se as vultosas verbas do IV Plano de Fomento, perdeu-se o acordo, para a sua internacionalização, com uma Grande École francesa e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. A verdade é que a Escola Superior de Educação — e o Ensino Politécnico — só são recuperados passados sete anos, sujeitos a uma configuração determinada por um economicismo circunstancial, sem qualquer base inovadora e prospetiva.”

     A reforma do Sistema Educativo foi a sua preocupação prioritária quando assumiu, em 1970, o cargo de Ministro da Educação. À pergunta se, face aos resultados, sentia o seu trabalho recompensado, Veiga Simão respondeu-nos que a reforma por ele liderada “entre 1970 e 1974, marcou uma época e representou uma iniciativa ousada de abertura e de evolução do Regime. Adotei, como pilar imprescindível, a sua internacionalização e, nesse quadro, mereceu o apoio declarado da OCDE e de países democráticos, em particular, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos.

     A ala liberal do Regime apoiou, entusiasticamente, a Reforma Educativa. Foi pena não se ter iniciado mais cedo... É que, como nessa altura se proclamava, “um cidadão mais culto é um cidadão mais livre.

    Dir-lhe-ei, ainda, que me orgulho de ter sido Ministro da Educação Nacional, que me orgulho da equipa que colaborou comigo e da qual emergiram personalidades que marcaram a Democracia Portuguesa pela sua capacidade e competência e que sinto uma enorme felicidade por ter sido intérprete duma   Reforma onde os professores foram os meus principais aliados”.

     Na mesma entrevista, Veiga Simão revelou que, após o 25 de Abril, foi convidado por António de Spínola para assumir as funções de Primeiro-Ministro do Governo Provisório. Convite que encarou “com a serenidade de quem sabia não haver condições éticas, nem políticas, para aceitar qualquer lugar de governação. Spínola compreendeu as minhas razões”.

    Apesar de ter declinado esse convite, teve um papel fundamental na redação do Programa do I Governo Provisório. “Fui eu que concebi e redigi o Programa do I Governo Provisório, a pedido de Spínola, definindo com ele os Capítulos que o integravam. Foi pena não ter sido cumprido.” Afirmava-nos, em 2005, Veiga Simão, que viu, posteriormente, as diferenças entre o programa assinado por si e o que foi publicado no, então, Diário do Governo.

    Aludindo à sua passagem, pelo Ministério da Defesa Nacional, considerou que o processo de modernização das Forças Armadas, por si iniciado, “foi infelizmente bloqueado. Leis em aprovação foram retiradas... prevaleceu a política de que os militares não dão votos... Para que se atingisse tal fim, foi necessário que, na Assembleia da República — conforme as conclusões dum inquérito, realizado pela Procuradoria-Geral da República a uma Comissão    Parlamentar de Inquérito — se cometesse, cobarde e anonimamente, um crime de violação de sigilo... Uma vergonha, aliás, internacionalmente conhecida, que fere a honra dos que, na Assembleia da República, exercem o seu cargo com dignidade...O amor que a Guarda me ensinou a ter pelo Estado, obrigou-me a calar a minha revolta... Um assunto para futuras memórias.”

     Eleito deputado pelo Distrito da Guarda, Veiga Simão exerceu essas funções por breves dias, pois assumiu outras funções públicas. “Mas, recordo-me das tentativas para se aprovar um Programa gizado para o desenvolvimento do interior. No entanto, como Ministro da Indústria e Energia, entre outras iniciativas, impulsionei a conhecida barragem do Caldeirão, que fui desenterrar aos arquivos da EDP, apoiei e incentivei a criação do Núcleo Empresarial da Região da Guarda (NERGA), criei um Centro de Desenvolvimento Industrial e apoiei a criação do Parque Industrial...”

     Quando lhe colocámos a pergunta se a política o tinha desiludido, Veiga Simão responderia que “a política é uma arte que, cultivada com princípios, nunca desilude... Porém, alguns políticos desiludiram-me, designadamente, quando não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos.”

     Respondendo à questão sobre que eixos de desenvolvimento deviam marcar a Guarda do século XXI, Veiga Simão comentou que “essa pergunta era uma nova entrevista. Mas, o principal eixo de desenvolvimento, passa por criar condições para a constituição duma “plataforma do conhecimento”, em articulação com a região vizinha da Espanha... A qualificação humana, em níveis de vanguarda ao serviço de empresas de base tecnológica e cultural, é determinante... A cooperação inter-institucional é, também, decisiva”.

     No final da entrevista, quando lhe perguntámos se gostaria de estar envolvido num projeto diretamente relacionado com o progresso e projeção da Guarda, teve uma resposta breve mas elucidativa: “estarei sempre disposto a emitir o meu conselho..., quando me for pedido”…

    Uma colaboração que a Guarda esqueceu, pelos vistos; como tem esquecido outras figuras que, e circunscrevendo-nos ao perfil científico e técnico, poderiam ter dado um contributo relevante em termos de uma desejada dinâmica de desenvolvimento, em várias vertentes, valorizando e projetando as nossas instituições.

 

(in O Interior, 15 de Maio de 2014)




Artigo Completo: Gente da Guarda...
Fonte: correiodaguarda
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16:05 | 17 de maio de 2014


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